Amor de Parceria

Amor de Parceria
Noel Rosa

Essa música do Noel é muito na contramão do que se compunha na época. Inclusive é diferente do comportamento machista predominante. O comum eram as letras onde os homens eram traídos por mulheres que acabavam com suas vidas. Ou seja, eram relações entre um homem e uma mulher, que poderia acabar com dores causadas pela traição.

Nesta letra o Noel faz aparecer um personagem que é um falso esperto. Ele se acha o máximo por acreditar que controla duas mulheres. Por pura vaidade este personagem pretende provocar o ciúme entre as duas mulheres, provavelmente deixando pistas para que uma saiba da outra. Isto está nas linhas 4 a 6, onde está: “Você provoca briga entre rivais para depois ver nos jornais seu nome e seu clichê”.

Esse tipo devia ficar se gabando para seus amigos e dizendo que era o maioral, que duas mulheres se matavam por ele. Que seriam capazes de agredirem-se caso se encontrassem frente a frente um dia.

O que existe de rico na letra é o fato das mulheres estarem totalmente no controle da situação do triângulo amoroso. Ele, o malandro, na realidade é o otário da história. E com fino sarcasmo e deboche uma delas conta toda a trama para, mais uma vez se divertir com quem se imaginava o máximo. O motivo da revelação é mais delicioso ainda: o otário fica sem dinheiro, sem meios de bancar as duas amigas acumpliciadas e elas resolvem dar um pontapé no traseiro do bobalhão. Para tal missão uma delas é a porta-voz das duas.

A declaração da porta-voz é arrasadora. Ela começa por avisar ao bobo que elas além de serem amigas não sentiam ciúmes dele. E ainda insinua que as brigas entre as “rivais” eram apenas jogos de cena para mantê-lo iludido e, desta forma, mais facilmente explorado financeiramente. Linhas 1 a 3: “Saiba primeiro que fulana é minha amiga e comigo ela não briga com ciúme de você”.

Nas linhas 7 a 10, da segunda estrofe, a humilhação continua quando ela revela que vem de muito tempo a mancomunação entre as duas. Ela diz: “Há muito tempo minha amiga me avisava que ela sempre conversava com você no seu jardim”. A porta-voz marca o espaço do tempo e continua a alfinetar dizendo que tão logo elas conversaram sobre o otário, estabeleceram uma sociedade para juntas depenarem o pato. “E começou a nossa parceria, eu fui por ela e ela foi por mim”.

Como o bobão pensa que está no controle da situação, passa a dar desculpas esfarrapadas para justificar suas ausências e atrasos. Nas linhas 15 e 16 o poeta diz: “Você pensou que fomos enganadas marcando encontros em horas alternadas”. Será que ele marcava esses encontros em horas alternadas no mesmo lugar e à vista de seus amigos para provar que tinha as duas sob seu controle?

Logo a seguir, nas linhas 17 e 18, ela pode estar insinuando que sentia raiva dele e por isso o feria ao pedir a ele o que ele já não mais podia dar. Ele estava quebrado, sem dinheiro nem para comprar uma bala de um tostão. Esta é uma frase emblemática e deverá ser tratada assim na interpretação. Diz Noel: “E muita vez você perdeu a fala quando estava sem tostão e eu pedia bala”. Aqui há um requinte de crueldade na vingança. Ela já sabia que ele estava sem um tostão (provavelmente avisada por sua sócia) e por isso pedia o que de mais baratinho havia somente para que ele se sentisse ainda mais humilhado com sua falta de dinheiro. Pedir coisas caras a quem está duro machuca pouco, pois a negativa pode parecer que ele tem dinheiro, porém, não tanto quanto ela precisa. Mas não ter dinheiro nem pra comprar uma bala não permite que ele minta nem pra ela nem pra ele. É a humilhação absoluta.

A última estrofe, linhas 19 a 22, é o tiro de misericórdia. É quando ela revela a única importância que ele tinha para elas: bancar seus gostos. Aqui há uma simbologia das mordomias recebidas por elas na frase: “Mas filamos bons jantares nos melhores restaurantes”. Revela a letra finalmente que elas somente aturavam os “modos irritantes” dele em troca dos que recebiam economicamente dele.

Amor de Parceria
Noel Rosa
Saiba primeiro que fulana é minha amiga
E comigo ela não briga
Com ciúme de você.
Você provoca briga entre rivais
Para depois ver nos jornais
Seu nome e seu clichê
Há muito tempo minha amiga me avisava
Que ela sempre conversava com você no seu jardim,
E começou a nossa parceria
Eu fui por ela e ela foi por mim.
Você pensou que fomos enganadas
Marcando encontro em horas alternadas,
E nós fizemos a sua vontade.
Dentro daquela escrita eu e ela não tivemos prejuízo na sociedade
Quando você se atrasava uma hora
Eu fingia não saber a razão dessa demora.
E muita vez você perdeu a fala
Quando estava sem tostão e eu pedia bala.
Nós aturamos os seus modos irritantes
Mas filamos bons jantares nos melhores restaurantes.
Você não sai do nosso pensamento
Você foi negócio e foi divertimento.