Eu e voce

Eu e Você

Ivor Lancellotti

 

Nesta canção Ivor Lancellotti nos leva ao fim de um relacionamento amoroso no qual o casal não encontra uma razão plausível que justifique a separação que se avizinha.

O principal sentimento desta música é a lástima. Não há revolta, rancor, ódio ou acusações. Apenas um lamentar pelo que acabou e não se sabe o por quê. É como se o amor deles houvesse morrido de morte natural.

Existe uma cumplicidade entre os dois, mas esta não lhes basta para continuarem juntos. Continuar como parceiros quando já foram amados e amantes é inconcebível. Eles que viveram o calor da paixão não têm como aceitar, a partir de agora, uma convivência morna, confortável e estável como a que existe entre os grandes e velhos amigos. Os amantes, em seu sentido amplo, devem conviver com as surpresas e o inesperado das aventuras.

Eles tentam encontrar os motivos que os levaram até o ponto em que se encontram agora. Não há nenhum. Para eles, como casal, não haveria outra aurora, um novo dia. Para eles só haveria, dali para frente, a noite dos tempos, a noite eterna sem manhãs. Lamentável. Mas real.

A cada estrofe a música dá a mesma marca cênica “Eu e você”, em destaque, como a pausa longa utilizada no teatro quando se quer reter o público num espaço e num tempo definidos. Esta pausa é um sublinhar, um dedo em riste como diria Stanislavski. O poeta está declarando: “Nós dois estamos de acordo com o que acontece. Apenas coube a mim narrar o fim da nossa história”. E ele o faz. E como faz.

As linhas de 1 a 5 mostram que eles (“Eu e você”) não pouparam tempo, nem esforços para buscar uma possível causa para o que vivem agora. Em verdade não pouparam nem mesmo a eles mesmos de uma possível negligência (“Reviramos os Lixos”.), de um descuido com o amor. Quem sabe o amor não estaria apenas fora das suas vistas e por isso parecia ausente? “Reabrimos cortinas. Vasculhamos mobílias”. Não, o amor não estava ali dentro de casa. Não, ali ele não estava. Eles, contudo, não desistiram. Foram procurar em outras paragens.

Quem sabe o amor não se perdeu deles como filho que se soltou de suas mãos e se perdeu? Como não haviam achado o amor em casa, partiram dali para uma busca mais ampla. E o poeta, o narrador da história do casal, narra na segunda estrofe, linhas 6 a 11, o que os dois fizeram em sua busca da chama perdida. Procuraram fora de casa e dentro deles mesmos.

Conta o poeta narrador: “Eu e você farejamos os rastros (caminho externo), retornamos no tempo, relembramos os sonhos (caminho interno). Mas infelizmente: “E tudo me vão”.

Eles não queriam desistir antes de tentar tudo, mesmo nas pistas menos prováveis. Numa busca mais interna que aquelas encontráveis nas suas memórias (“retornamos no tempo relembramos os sonhos”) como já haviam feito. E se houvesse alguma coisa escrita ou registrada, porém esquecida? Linhas 12 a 15, da terceira estrofe: “Eu e você (sempre na pausa longa) pesquisamos diários , ampliamos retratos (quem sabe no olhar fotografado?), procurando um traço (o menor indício lhes bastaria para recomeçar) de alguma ilusão”. Não havia nada.

O casal refletiu. Repensou. Como pode ter havido a morte do nosso amor se nem percebemos os sintomas de um mal? Não meu amor! O amor apenas se foi. Disseram-se em uníssono. E se abraçaram para amenizar o frio que sentiam em seus corações. E sopram juntos restos de um fogo apagado. E viram claramente, agora, que nada mais restava a fazer.

“Eu e você (longa pausa) já sopramos as cinzas e já não mais ardia uma chama perdida de alguma paixão”.

Triste e lindo. É uma dignidade só.

Eu e Você
Ivor Lancellotti

Eu e você
Reabrimos cortinas
Reviramos os lixos
Vasculhamos mobílias
Procurando a razão
Eu e você
Farejamos os rastros
Retornamos no tempo
Relembramos os sonhos
E tudo
Em vão
Eu e você
Pesquisamos diários
Ampliamos retrato
Procurando um traço de alguma ilusão
Eu e você
Já sopramos as cinzas
E já não mais ardia
Uma chama perdida
De alguma paixão