Em Todo Lugar

Em todo lugar
Márcio Proença e Marcus Lima

Esta música é, para mim, uma espécie de contra ponto de “Teu Mundo” do Márcio Proença e do Jorge Vercillo. Em “Teu Mundo” temos uma mulher que vive fora do padrão feminino da vivência emocional, ou como diz a letra com mais precisão, “Teu mundo é assim, falsa genética. Tua emoção aritmética”.

Na letra de “Em Todo Lugar” temos um homem que vive exclusivamente dentro do padrão racional e, tal qual a mulher de “Teu Mundo”, porém por motivo oposto, pagou o preço da solidão e da auto condenação com a penalização de tentar “encontrar seu olhar em todo lugar, sempre”. É a cristalização do dito popular: “colocar a tranca em porta arrombada”.

A primeira estrofe, linhas 2 e 3 trazem o primeiro elemento atrativo da poesia, o mistério. O que terá feito nosso protagonista para aplicar a si mesmo uma pena tão severa? (linhas 9 e 10 da segunda estrofe). Terá tido uma aventura com uma outra mulher, só pelo condicionamento machista, e perdido o amor da vida dele? Ou ele era, à época do erro cometido, apenas um tolo? O que será que ele fez para dizer: “vou tentar esquecer pra não sofrer tanto”?

Acredito, pelo subtexto da letra, que a mulher não foi a causadora da dor que atormenta o personagem. Mas tenho que tirar o chapéu pra ele. E tiro com prazer por ver que ele se analisou profundamente. Só fico pesaroso por ele ainda não estar em condição de reiniciar a vida amorosa, por continuar preso ao passado. Música boa é assim mesmo, nos faz viajar por muitos lugares. Todos dentro de nós mesmos.

Primeira estrofe, linhas 1 a 4:

Vou tentar esquecer pra não sofrer // tanto
Essa coisa ruim me machucou // dentro
Um história banal um vendaval // vento
Reviver esse amor com mais calor // tento
Na primeira estrofe estão, por assim dizer, transcritos os fatos que motivaram a auto condenação do personagem. A linha 4 é muito reveladora e mostra que o erro do relacionamento foi cometido por ele, e não por ela. “Reviver esse amor com mais calor, tento”. Ou seja, eu tento. Ora, se ele tenta reviver, agora após a separação, o amor com mais calor é por não ter vivido intensamente o amor quando estava convivendo com a amada. Prova “A”, como diriam os penalistas no Tribunal.

A linha 3 é uma bela imagem para reforçar o mistério que encobre o que ele teria feito. “Uma história banal um vendaval, vento”. A história banal virou um vendaval que arrasou o relacionamento deles. Prova “B”.

A linha 2 traz a dor que o machucou e que o está curando. O caminho para a cura está na segunda linha da primeira estrofe. O poeta diz: “essa coisa ruim me machucou dentro”. Machucou profundamente. Uma ferida visceral. Mas o danado está dando a volta por cima. Ou seja, só o enfrentamento de uma dor é capaz de curar essa dor. É o que está dito nas linhas 7 e 8 da segunda estrofe.

Segunda estrofe, linhas 5 a 10:

Não vou mais me esconder
Nem vou correr // tanto
Vou saber mais de mim
Estar mais afim // dentro
Meu olhar vai buscar solto no ar // vento
Encontrar seu olhar em todo lugar// sempre
A segunda estrofe é o relato da reformulação emocional do personagem perante a vida. Ele se analisou, descobriu o que havia causado a derrota amorosa e se reformulou. Porém, ainda não se mostra pronto para um novo amor. É lindo ver que o poeta mantém o mistério, ou seja, ele não revela o que o personagem fez de errado, porém revela a origem do comportamento emocional desse erro.

As linhas 5 e 6 falam do que ele viu de errado dentro de si. Do que estava profundamente enraizado no seu psiquismo. Nessas linhas ele se desnuda. O personagem declara o que ele fazia, e o prejudicava. Nas linhas 7 e 8 está o caminho ele deverá percorrer para ter sucesso num possível novo relacionamento emocional.

“Não vou mais me esconder. Nem vou correr, tanto”. Não vai mais se recusar à entrega ao amor? Perderá o medo de se lançar no abismo da paixão?

Feita a auto-análise, a causa da moléstia emocional, vem a receita da medicação a ser ingerida. “Vou saber mais de mim. Estar mais a fim, dentro”. O remédio é homeopático, para ser tomado continuadamente, várias vezes ao dia, todos os dias. Afinal o personagem quer saber mais si, quer estar mais a fim (de amar e de viver?) dentro. Tarefa para quem é persistente e muito, muito paciente. Para quando a cura se fizer ele assume, sem reservas, a resolução de se lançar no vazio, de planar no ar, de ficar solto no ar. Como devem fazer os apaixonados.

As linhas 9 e 10 mostram que ele, ainda, não se libertou da culpa e por isso não está pronto, ainda, para um novo amor nesse momento. Meu olhar vai buscar solto no ar, encontrar seu olhar em todo lugar. O poeta coloca um levíssimo véu para não se entregar de vez. Ele faz uma pequena “distração cênica”, um confeito. Diz o poeta: “Meu olhar vai buscar solto no ar // vento. Encontrar seu olhar em todo lugar // sempre”.

Em todo lugar
Márcio Proença e Marcus Lima

Vou tentar esquecer pra não sofrer // tanto
Essa coisa ruim me machucou // dentro
Um história banal um vendaval // vento
Reviver esse amor com mais calor // tento
Não vou mais me esconder
Nem vou correr // tanto
Vou saber mais de mim
Estar mais afim // dentro
Meu olhar vai buscar solto no ar // vento
Encontrar seu olhar em todo lugar// sempre