São tantas portas

São Tantas Portas
Ivor Lancellotti e Marco Pinheiro

Esta música parece ser um diálogo entre duas pessoas. Uma querendo ensinar posturas ante a vida, fórmulas para que fossem encontradas soluções para problemas. E uma outra que sabe que não existem receitas, mas sim vivência e maturidade para que se encontrem as soluções que levem à paz. Vou identificar os interlocutores como sendo personagem “A”, aquele que inicia a música na primeira estrofe e personagem “B” o que pretende ensinar o “caminho das pedras” para o primeiro.

Vejo uma certa intolerância por parte do personagem “A”. Este, é uma pessoa madura que chegou a este estado de consciência através de seus próprios erros e acertos. O personagem “B” parece ser uma pessoa (homem ou mulher) que recolhe a “sabedoria” do mundo em livros de auto-ajuda. É a típica pessoa que consegue dar respostas aos problemas de todo mundo, menos aos seus. Tem sempre soluções para todo mundo enquanto a sua própria vida é um novelo emaranhado. Para solucionar suas próprias dificuldades existe uma única atitude: adiar para amanhã; para a semana que vem; para quando arrumar as gavetas do armário de roupas?

A primeira estrofe da música é um epílogo. O poeta começa com uma fala conclusiva. É como se ele dissesse: ” Veja bem aonde cheguei. Veja de onde eu vim e por onde passei. Eu trilhei um caminho que é único para cada peregrino. O seu caminho, o que você me aconselha a trilhar, pode ser bom para você, porém este é o seu caminho e não o meu.”

Como já me foi antecipado pela Andreia Carneiro há orgulho merecido. Há um garbo nesta estrofe, ou seja, há um porte imponente por parte do poeta, e consequentemente, na atitude da interprete.
As linhas 1 a 4 trazem resumidamente toda a trajetória do personagem “A”. Por isto o orgulho justo. Este orgulho, por ser justo, está desvinculado da soberba. Ele não está exagerando nada. Não está indo além de sua própria conquista. Este é um orgulho vívido.

Primeira estrofe, linhas 1 a 4:
1-Por tantas vezes escapei por linhas tortas
2-E por caminhos de abismos e alçapões
3-São tão fácil de armadilhas engenhosas
4-E sempre achei nos labirintos a razão

A segunda estrofe, linhas 5 a 8, tem um ar de meditação. É como se o personagem “A” estivesse falando de si para consigo mesmo. Ele pontua a própria sabedoria ao descrever as regras do jogo da vida dele. E por pura humildade diz que é por sorte que se acha a solução (linha 7).

Segunda estrofe, linhas 5 a 8:
5-Por qual das portas abro e busco o paraíso?
6-São tantas portas postas nesse corredor
7-Que é muita sorte descobrir uma saída
8-Se essas portas têm a mesma forma e cor

Nas estrofes terceira e quarta, linhas 9 a 16, há uma interpelação ao personagem “B” e por isso cabe aqui uma leve carga de reprimenda na interpretação. Deverá haver firmeza e determinação na atitude da intérprete. Porém, não deverá haver raiva como eu pensei antes. Afinal quando se chega a uma conquista definitiva numa determinada fase da evolução não há espaço para a raiva contra os tolos.
Nas linhas 13 a 16, o personagem “A” é mais incisivo. Aqui cabe mais calor na reprimenda ao personagem “B”. O personagem “A” está advertindo e ao mesmo tempo ensinando ao seu interlocutor. Daí mais calor e veemência na voz e na atitude.

Terceira e quarta estrofes, linhas 9 a 16:
9-Não diga a uma amigo a sua aposta
10-Nem queira indicar a direção
11-Porque ninguém conhece a resposta
12-E o que serve a você nem sempre é bom
13-Não tente impedir qualquer derrota
14-Se dela eu faço a minha comunhão
15-Não tente ajudar nem tente compreender
16-Na mesma porta não passo eu e você

Na quinta estrofe, linhas 17 a 20, o personagem “A” abranda o discurso e, consequentemente, a carga da interpretação. Aqui cabe uma leve doçura na voz. O personagem “A” está dizendo porque não pode aceitar para si o caminho de um outro. Por melhor que seja a intenção do personagem “B” seus conselhos são inúteis. Os caminhos de um não servem para o percurso de mais nenhum caminhante.

Quinta estrofe, linhas 17 a 20:
17-Já me feri nesses jardins de flores meigas
18-E me acabei em braços cheios de paixão
19-Em mares calmos me perdi em correntezas
20-E congelei sob um sol quente de verão